segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Crescer é inevitável e tem me roubado longas noites de sono.

Às vezes só tenho saudade do tempo em que a gente saía da escola e era simples, a gente descia a rampa cantando, a barriga doendo de rir, atravessava a rua sem nem olhar direito pros lados, o pé só seguia, quase uma dança, o olhar era leve, eu pensando nas mitocôndrias da aula, será que vai cair na prova?, me ensina física?, aquele poema..., o mundo era leve e eu era leve, você me segurava a mão e bastava.

Havia uma pureza em acreditar que ia dar certo, tudo ia dar certo, daqui a uns anos a gente casa, daí os filhos, e um cachorro, e uma casa com piscina, 2014, este é o ano, quem se importa com o resto?, a faculdade vai ser um mundo, eu quero descobrir o mundo, mas com você, vem comigo pra gente ser feliz, anda.

Eu andei, você me chamou e eu andei, me chamou a arriscar, a ter certeza e eu tive. Eu descia a rampa na van abrindo o bilhete com pressa, e você com a sua coragem lá longe me olhava e me lia. Meu coração disparou, eu que sonhava com todos os sonhos dentro do meu livro. Depois a gente só seguiu, sem saber bem, eu pelo menos. Queria viver e que desse certo – era simples, não era?

Não.

Não seria simples, nada é simples, nunca é simples.

O mundo vai se revelando, assim, como quem não quer atrapalhar, mas atrapalhando, e te empurra, você só quer um lugar pra sentar, ele te mantém em pé que é pra mostrar logo como vai ser. Você vai deixando de se embalar no caminho, as mãos vão tendo que se apoiar ou então você cai.


Não tem nada de muito romântico no que o mundo exige você ser, nas lágrimas que vão te descabelar, nas palavras que vão te fincar no chão, mas tem que ter, a gente precisa que tenha. A gente precisa se olhar ao fim de um dia doído e ver pra além dos olhos do outro, ver por dentro a magia que é seguir amando apesar da pilha de roupa suja, das contas sobre a mesa e da falta de tempo. A gente precisa ouvir no silêncio as palavras certas, e reconhecer nos vãos de nós mesmos que(m) ainda somos.

É questão de olhar pra mesma calçada e se ver não mais a criança que ri feito boba – mas a mulher que ainda vê graça (no tempo que passa, no invisível, que seja, porque acaba sendo). A mulher que se apoia na pilha de louça só pra servir de suporte pro outro, e que agora caminha olhando pros lados – mas também pro céu, mas também pra dentro.


Crescer é inevitável e vai te roubar longas noites de sono.

Por isso um conselho: só seja gentil, todos os dias, à frente do espelho.