sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

rumo ao sim

Ele era especial. Desde o começo. No fundo, eu podia ver além. Eu sempre pude ver, e às vezes fechei os olhos. Que seja. Hoje enxergo nitidamente. Posso ver como a uma luz que brilha e não sabe apagar. Como ele. Não sabe apagar. Só aprendeu a brilhar, e desaprender é escuro. Então ele brilha. Encanta. Inventa. Conquista. Porque sonha. Sonha enquanto dorme, enquanto vive. Sonha enquanto sonha. E pensa ao invés de dormir. Repensa, pondera, espera. Corre. Enquanto caminhar já é difícil. O momento chegou, eu sei. A sua luz agora cega. É intensa, inteira. É sua. Felicidade? Liberdade? Eu diria, antes, vida.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

boemia

às vezes me pego pensando
das muitas escolhas que fiz
nas que me fizeram mais forte
mais inteiro, mais feliz

e é como se o mundo travasse
sua batalha particular
com minhas verdades já tortas
de tanto se equilibrar

saber o caminho é um segredo
que espero poder te contar
qualquer dia desses na esquina
qualquer noite dessas num bar

entre uma ou outra garrafa
de lamento tão verdadeiro
quando tudo o que a gente deseja
é ser forte, feliz, inteiro

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

dos paradoxos

cada momento da vida é um
eu já devia ter aprendido
agora é hora de correr
contra a corrente de outrora
bora!
eu já devia ter dito
mas eis que nem sempre dizemos
no tempo
nem sempre corremos
a tempo
de ser quem sonhamos agora

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Crescer é inevitável e tem me roubado longas noites de sono.

Às vezes só tenho saudade do tempo em que a gente saía da escola e era simples, a gente descia a rampa cantando, a barriga doendo de rir, atravessava a rua sem nem olhar direito pros lados, o pé só seguia, quase uma dança, o olhar era leve, eu pensando nas mitocôndrias da aula, será que vai cair na prova?, me ensina física?, aquele poema..., o mundo era leve e eu era leve, você me segurava a mão e bastava.

Havia uma pureza em acreditar que ia dar certo, tudo ia dar certo, daqui a uns anos a gente casa, daí os filhos, e um cachorro, e uma casa com piscina, 2014, este é o ano, quem se importa com o resto?, a faculdade vai ser um mundo, eu quero descobrir o mundo, mas com você, vem comigo pra gente ser feliz, anda.

Eu andei, você me chamou e eu andei, me chamou a arriscar, a ter certeza e eu tive. Eu descia a rampa na van abrindo o bilhete com pressa, e você com a sua coragem lá longe me olhava e me lia. Meu coração disparou, eu que sonhava com todos os sonhos dentro do meu livro. Depois a gente só seguiu, sem saber bem, eu pelo menos. Queria viver e que desse certo – era simples, não era?

Não.

Não seria simples, nada é simples, nunca é simples.

O mundo vai se revelando, assim, como quem não quer atrapalhar, mas atrapalhando, e te empurra, você só quer um lugar pra sentar, ele te mantém em pé que é pra mostrar logo como vai ser. Você vai deixando de se embalar no caminho, as mãos vão tendo que se apoiar ou então você cai.


Não tem nada de muito romântico no que o mundo exige você ser, nas lágrimas que vão te descabelar, nas palavras que vão te fincar no chão, mas tem que ter, a gente precisa que tenha. A gente precisa se olhar ao fim de um dia doído e ver pra além dos olhos do outro, ver por dentro a magia que é seguir amando apesar da pilha de roupa suja, das contas sobre a mesa e da falta de tempo. A gente precisa ouvir no silêncio as palavras certas, e reconhecer nos vãos de nós mesmos que(m) ainda somos.

É questão de olhar pra mesma calçada e se ver não mais a criança que ri feito boba – mas a mulher que ainda vê graça (no tempo que passa, no invisível, que seja, porque acaba sendo). A mulher que se apoia na pilha de louça só pra servir de suporte pro outro, e que agora caminha olhando pros lados – mas também pro céu, mas também pra dentro.


Crescer é inevitável e vai te roubar longas noites de sono.

Por isso um conselho: só seja gentil, todos os dias, à frente do espelho.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

360°

toda escolha é um espelho
do que se é/ já não é mais

reflexo desconexo
do que fui/ deixei pra trás

escolho quando acordo
nas esperas pontuais
escolho se me arrisco 
nessas rimas triviais
ou quando silencio
nossas conversas banais

a cada espelho que quebro
escolho um novo retrato
da que não vou ser jamais

sábado, 27 de agosto de 2016

redes

já não sei o que achar dessas legendas que nem leio
você pode me entender?, pode me ler além da tela?
só escuta o meu silêncio, o mundo é mais que uma janela
e do outro lado tem a vida o amor o mar e a gente inteiro

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

o corvo

se a gente enxerga o lado de lá
vê que a tristeza é um fato e não dá
pra combatê-la com pouca alegria

ela é maior e pra sempre será
quase uma essência, uma força: quiçá
roube na noite a esperança do dia
(   )

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

performance

o artista se fantasia como pode
pra esconder se é
e que não lembra
se ainda pode ser
já que não ser explode
o que não cabe dentro

sábado, 26 de dezembro de 2015

pós-guerra

você poderia ter me dito do que gostava
ter me ensinado a cortar esses gravetos
com que teceu por anos as próprias manhãs
ou então me dado um par de luvas
com que lutou sem que a gente soubesse
por quem estávamos morrendo naquela noite
de nuvens e trovoadas contado 
as histórias que eu e a irmã
sempre tão perguntadeira queríamos ouvir
para sonhar (ou viver) quando lá fora não fosse escuro

você que sabia amar sem duvidar do amor
dessas coisas que eu já não sei nem quero
poderia ter me contado tantos 
e tantos segredos mas não
preferiu nos deixar enquanto nos defendia do
mundo que já nem posso entender por que chamamos
mundo preferiu mesmo sabendo que não e a
gente tentando não saber mas sabendo que
para casos como o nosso não existe (por
que não existe?) qualquer defesa

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

criptografia

um livro de poesia é um mundo
e quando a gente conhece o poeta por algum motivo
parece que faz muito sentido
tentar ler nas palavras
também os silêncios

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

escultura

tentar dizer é como um esforço físico. exige mais dos braços e das pernas que das palavras em si. é como mergulhar de cabeça sem saber nadar. requer cuidado para extrair de dentro a letra que sobreviverá fora. encontrar a palavra exata. a mais livre

tentar dizer quase sempre dói. quase sempre cega. emudece

mas também pode ser simples como sentir
sentir-sofrer-sentir
e ir dando forma

domingo, 2 de agosto de 2015

partitura

a vida é uma
questão
de ponto
de vista
uma
canção
de pontos e
vírgulas
cantando 
em todas
as
línguas
vem
ser
feliz e
ponto

segunda-feira, 22 de junho de 2015

novo outono

Com o tempo a gente aprende tanta coisa, depois de tanto conselho, tanto silêncio, a gente aprende muito mais que as estações do ano, que o preço do aluguel, que o cheiro das margaridas. A gente aprende a filtrar os desconselhos, a aceitar os inimigos, a abraçar as dores. Depois de muitos invernos a gente entende que florir só depende de nós, e que a chegada do verão requer, sim, paciência. Com o tempo a gente percebe que de nada valeu guardar tanta roupa, que de nada valeu guardar tanta mágoa. Que amanhã pode ser um dia melhor que hoje, mas também que hoje pode ser melhor que semana passada. A gente pode demorar, porque aprender leva tempo, mas o que importa é que a gente vai entender, muitas vezes lá pelo fim da estrada, que o valor das coisas depende mais da leveza do olhar que do peso das moedas. A gente vai entender que nem todo sorriso sorri, que nem toda lágrima chora, que o que a gente vê nem sempre é. Tanta coisa será dita, sim, mas só escute mesmo o que falar à sua alma. Muita gente vai julgar o que você é, o que deveria ter sido, seus sonhos, seus planos, seu emprego, seu desemprego e sua falta de sonhos e planos. Muita gente vai lhe dizer que o caminho poderia ser outro, que você deveria ser outro, ter sido outra coisa mais entendível por todos, como se parecer fizesse mais sentido que tentar encontrar aquela chave de ouro que em algum planeta estranho ousaram chamar felicidade. E às voltas com tantos dizeres, pesares pesados sobre o que devemos, pode ser que a gente perca um tempinho decifrando esse mundo-quebra-cabeça de oitocentas mil peças. Mas no fim  e isso requer mais tempo que espaço  vamos entender que tudo é mais simples que um dia pensamos, que viver faz todo o sentido, que amar dá sentido a tudo. Porque no fim  mas isso exige parar um segundo  vamos contemplar tudo se encaixando como se já tivesse sido escrito, as linhas tortas de Alguém que nos escreve em seu Livro.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

vozes

hoje vejo nas palavras de gente que nem sei tudo o que sinto, ou senti quando precisei partir de mim mesma. nas palavras de gente que nem sabe que leio seus medos encontrei meu refúgio e meu sossego. sossego de me sentir pertencente à mesma massa solitária e fria. sossego de me fazer igual, ainda que profundamente diferente

terça-feira, 19 de novembro de 2013

constelação

hoje sou terra
pedaço de chão
estende
horizonte
tão lindo e tão reto

daqui vejo a lua
pontinho no céu
abraça
outros mundos
tão longe e tão perto

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

cada distância

teleobjetiva
é a lente
da poesia

que vê tudo
nos mínimos
detalhes
sem razão
sem
objetividade

sem medo
de ser tanta
que vazia

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

feliz e ponto

hoje acordei com saudade da escola, de jogar pingue-pongue no recreio, de tomar banho de chuva, afundar os pés na lama, andar de bicicleta só pra sentir o vento no rosto. hoje tive saudade até do dia em que caí da árvore e cortei o joelho, tinha até que levar ponto, mas não levei, me curei sozinha. e aí bateu saudade do tempo em que se curar sozinha era isso: deixar o joelho ralado cicatrizar.

mas hoje o jogo é outro, o pingue-pongue é outro, quase um boomerang de idas e vindas. jogo novo, time novo, até a saudade tem que se renovar.

não importa o que se diga, no fundo eu sei: as regras para ser feliz continuam sendo as mesmas.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

reciclável

o resto da gente
é a única parte
em que se pode
confiar
que o pó vai ficando
colado aos pedaços
que sobram
do dia

sem jogar fora
o que não presta

resta o que sou

parte de mim
verdade inteira

quinta-feira, 2 de maio de 2013

o artista

vi soprar,
entre a paz e a ventania,
a voz da fé: sim, o céu teria cor
e beleza, apesar da tinta fria
com que Deus pintou
os rumos do amor

sem contorno,
linhas quase remendadas
e um borrão
unindo duas mãos vazias
quase não vi: a tinta era abençoada
tudo e nada
livre como a poesia

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

24 sonhos depois

eu quis fazer do mundo um lugar mais fácil de caminhar. e me surpreendi quando vi que as pedras brotam. não foi simples repensar minhas razões – e emoções. mas foi ao reconstruí-las que dei passos importantes.

hoje entendo que andar e tropeçar fazem parte da mesma dança. que subir e cair equilibram o universo. que aprender e ensinar são fatias do mesmo bolo. 

que escrever tudo isso é ter aprendido. e, de alguma forma, estar ensinando.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

conjugar

vir servir
 exigir ouvir
   diluir cair
descontrair

dar amar
 esperar falar
   abraçar calar
embaralhar

ser viver
 aprender saber
  esquecer morrer
emudecer (   )

e compor