sábado, 26 de dezembro de 2015

pós-guerra

você poderia ter me dito do que gostava
ter me ensinado a cortar esses gravetos
com que teceu por anos as próprias manhãs
ou então me dado um par de luvas
com que lutou sem que a gente soubesse
por quem estávamos morrendo naquela noite
de nuvens e trovoadas contado 
as histórias que eu e a irmã
sempre tão perguntadeira queríamos ouvir
para sonhar (ou viver) quando lá fora não fosse escuro

você que sabia amar sem duvidar do amor
dessas coisas que eu já não sei nem quero
poderia ter me contado tantos 
e tantos segredos mas não
preferiu nos deixar enquanto nos defendia do
mundo que já nem posso entender por que chamamos
mundo preferiu mesmo sabendo que não e a
gente tentando não saber mas sabendo que
para casos como o nosso não existe (por
que não existe?) qualquer defesa

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

criptografia

um livro de poesia é um mundo
e quando a gente conhece o poeta por algum motivo
parece que faz muito sentido
tentar ler nas palavras
também os silêncios

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

escultura

tentar dizer é como um esforço físico. exige mais dos braços e das pernas que das palavras em si. é como mergulhar de cabeça sem saber nadar. requer cuidado para extrair de dentro a letra que sobreviverá fora. encontrar a palavra exata. a mais livre

tentar dizer quase sempre dói. quase sempre cega. emudece

mas também pode ser simples como sentir
sentir-sofrer-sentir
e ir dando forma

domingo, 2 de agosto de 2015

partitura

a vida é uma
questão
de ponto
de vista
uma
canção
de pontos e
vírgulas
cantando 
em todas
as
línguas
vem
ser
feliz e
ponto

segunda-feira, 22 de junho de 2015

novo outono

Com o tempo a gente aprende tanta coisa, depois de tanto conselho, tanto silêncio, a gente aprende muito mais que as estações do ano, que o preço do aluguel, que o cheiro das margaridas. A gente aprende a filtrar os desconselhos, a aceitar os inimigos, a abraçar as dores. Depois de muitos invernos a gente entende que florir só depende de nós, e que a chegada do verão requer, sim, paciência. Com o tempo a gente percebe que de nada valeu guardar tanta roupa, que de nada valeu guardar tanta mágoa. Que amanhã pode ser um dia melhor que hoje, mas também que hoje pode ser melhor que semana passada. A gente pode demorar, porque aprender leva tempo, mas o que importa é que a gente vai entender, muitas vezes lá pelo fim da estrada, que o valor das coisas depende mais da leveza do olhar que do peso das moedas. A gente vai entender que nem todo sorriso sorri, que nem toda lágrima chora, que o que a gente vê nem sempre é. Tanta coisa será dita, sim, mas só escute mesmo o que falar à sua alma. Muita gente vai julgar o que você é, o que deveria ter sido, seus sonhos, seus planos, seu emprego, seu desemprego e sua falta de sonhos e planos. Muita gente vai lhe dizer que o caminho poderia ser outro, que você deveria ser outro, ter sido outra coisa mais entendível por todos, como se parecer fizesse mais sentido que tentar encontrar aquela chave de ouro que em algum planeta estranho ousaram chamar felicidade. E às voltas com tantos dizeres, pesares pesados sobre o que devemos, pode ser que a gente perca um tempinho decifrando esse mundo-quebra-cabeça de oitocentas mil peças. Mas no fim  e isso requer mais tempo que espaço  vamos entender que tudo é mais simples que um dia pensamos, que viver faz todo o sentido, que amar dá sentido a tudo. Porque no fim  mas isso exige parar um segundo  vamos contemplar tudo se encaixando como se já tivesse sido escrito, as linhas tortas de Alguém que nos escreve em seu Livro.